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Archive for the ‘Crônicas Experimentais’ Category

(Esta crônica foi feita para apresentação de três pintores na exposição Caleidoscópio, ocorrida na Escola de Comunicação da UFRJ, entre 26 de outubro e 14 de novembro de 2012. Contou com os pintores e suas pinturas: Javier Barrera (México), Fernanda Lemos (Brasil), Bill Allen (Austrália). Abaixo seguem fotos que tirei das obras enleadas com a crônica que escrevi para o evento. Para quem não foi, é uma possibilidade de comungar deste momento especial. Grato a extensão universitária da ECO-UFRJ pela abertura da vitrine/galeria.)

Trilhos ferruginosos de Santa Teresa onde trafega o bonde ausente, antes lotado de desejos, tipos artistas, tipos comuns, tipos estudantes, com suas fardas escolares, outros tipos intelectuais, estes que promovem encontros quase marcados na bifurcação do Largo do Guimarães.

Quando os trilhos se separam e cada bonde segue seu rumo. Antes, ali, muitos descem, seguem aos bares, cafés, ateliês, casas de amigos, ou sentam-se no banquinho colonial de madeira envelhecida na pequena estação coberta com velhas telhas escurecidas pelo tempo e/ou a poluição de CO², que os carros cospem na cidade.

Tantas as surpresas que vivi e vivo numa simples viagem no saudoso bonde que continua a nos levar imaginariamente para cima e para baixo nessa vida glamourosamente severina na nossa querida cidade maravilhosa!

Numa destas noites quentes, conheci Fernanda, apresentado por uma amiga comum. Fernanda, moça bonita e sagaz, bebe bem e tem um espírito sarcástico saliente a ouvidos nus. Como se diz aqui no Rio, ela: “é lá de São Gonçalo,” a segunda cidade em população no Estado Fluminense.

Pintora Fernanda Lemos

Pintora Fernanda Lemos

Domingo reencontrei com um amigo conhecido há alguns anos atrás num apartamento que dividi no Bairro da Glória. Não me recordo bem, mas tínhamos uma festa para alguém ou sobre algo, regada a bastante cerveja e alimentada, obviamente, por várias moquecas baianas: de ovo, de soja, de vermelho, arraia. No meu caso, era mais uma apresentação aos que habitam a cidade da Guanabara, e para o Javier, não faço ideia.

O negócio é que o conheci neste momento e depois o reencontrei neste dia solar, após anos. Tarde quente, agitada, poucas nuvens, céu azulin, típico verão carioca. Um dia no qual Santa recebe moradores do restante do Rio e turistas de todo o planeta.

Entre uma cerveja e outra, Javier me diz que está a morar em Santa, respondo que também estou, descobrimos que somos vizinhos de ruas que ficam paralelas. Ele marca uma cerveja em sua casa com comidas e pimentas mexicanas. México que é sua terra natal, a qual, por seu povo e sua história tenho respeito e carinho.

Com esta cerveja e boa comida mexicana nos encontramos e conheci Billy, um australiano, que vive há muito no Rio de Janeiro e também é muito calado, apesar de entender bem o português e falar pouco ou nada.

Tempos depois, numa das noites no Bar da Cachaça, encruzilhada de sonhos e tragédias, convido Javier para realizar uma exposição na UFRJ, onde certamente agora está sendo exibida.

Depois, sugeri chamar Fernanda e Billy para compor então uma tríade, uma dialética, uma comunicação entre continentes, cidades, gentes, artes, desejos num lugar onde jamais soube que ocorrera uma mostra de pintura. Mesmo sendo uma escola de comunicação.

Disto, o Javier faz uma provocação para mim, em um novo encontro na sua casa juntamente com os outros pintores. Deveria eu escrever uma crônica  sobre esta exposição.

Cá estou eu a lhes oferecer este texto. Contudo, mesmo sendo um apaixonado pela pintura. Devo declarar que sou daltônico e pouco ou nada distingo de cores, quando penso que sei alguma cor, na verdade erro fácil, e acerto longe a composição de cores que enxergo na tela.

Por este motivo, então Fernanda, Javier e Billy gostam ainda mais da possibilidade de eu escrever sobre suas obras e a exposição. Topei com esta limitação ou ampliação dos meus sentidos, afinal, ser daltônico é ao mesmo tempo afirmação de uma outra maneira de ver o mundo que escapa ao controle e a regra do padrão geral. Por isso é também libertador não ver o mundo como todos outros.

O que se lê agora não é uma crônica da exposição ou mesmo análise estética das obras, no sentido de sua relação entre harmonia da composição, técnicas, cores e narrativas. Suas obras foram observadas e enxergadas nos nossos encontros preparatórios desta exposição. Exceto Billy, que vi as obras abstracionistas com provocações que me soavam algo como sofrido e de narrativa de sonhos, de saudades de vidas, de desejos.

As cores ainda se misturam na minha mente trazidas por uma retina que não enxerga as variações de tons, ou por um desconhecimento classificado como daltonismo. Senti que mesmo no alto do meu limite e liberdade relativo com a cor, eu fui tragado por uma dança viva, como o vento que percorre o planeta e que ninguém vê ou sente o sabor, mas sempre nos toca: as personalidades dos pintores são suas cores também, e eu as enxergo.

Pintura de Bill Allen
Pintura de Bill Allen

Novamente no Largo dos Guimarães, vou à casa de Fernanda, lá comemos e bebemos, e comentamos sobre arte pintura, falamos de mercado e sobrevivência, ela me mostra suas últimas criações. Estas têm uma força de cores métrica e espiral arrebatadoras e, sobretudo, é algo que transita entre o ser pintor criador e o ser gente, com seu olhar sobre o lugar de onde veio e para onde vai.

Seus personagens rindo, mulheres comuns, os ícones “pop star” da TV brasileira me remetem a um cem números de reflexões e autocrítica, sem me violentarem, e dando até mesmo uma certa com idade para a interpretação espontânea.

Coisa de jovens que querem aprender sobre si e sua arte? Assim fico contente de agora ela ter mais olhos de mais mundos vendo sua obra e contando e considerando este expor-se como uma aula a mais no seu caminho de leitora/pintora particular e singular do mundo.

As narrativas dos pintores são também cores, e eu as enxergo, e vibro com seus tons discrepantes entre os olhares do pintor que a cor expressa e que o daltônico  enxerga diferente e despretensiosamente.

Então vamos a Javier, um cronista do Rio de Janeiro e do Brasil. Sua obra traduz o atmo de tempo em que ele esteve presente, esteve a observar, a pintar, e descrever.

E mais que uma câmera a fotografar ou filmar, é a recriação das gentes e dos espaços tendo a luz carioca e o olhar do mexicano. Em ambos os casos, uma luz capturada com olhar mexicano, e por tanto distinta, e um olhar capturado pela luz do Rio, assim se pare uma crônica lírica plástica sobre o tempo e as gentes invitando o observador a sair de seu lugar tradicional, e provavelmente cômodo, em relação aos lugares e pessoas que julga conhecer tão bem e que, neste momento, é desvelado com a simplicidade de quem olha de dentro como transeunte atento e descolado das limitações de um cotidiano frio.

Não é preciso conhecer as cores segundo o padrão para saber que há cores e que as gentes vibram em tons e também cores de acordo com cada observador.

Pintura de Javier Barrera

Pintura de Javier Barrera

Dizem que um daltônico só enxerga três cores básicas. Com estes três pintores enxergo mais e além. Cores, luzes, gentes, os pintores somam o conhecimento e entendimento de suas cores com os do escritor. As liberdades se ampliam quando se encontram.

Eu os leio nos seus quadros. Uma  narrativa sensível e profunda, como um vermelho de fim de tarde num inverno, como a pintura de Billy,  ou na Fernanda, uma métrica colorida e aconchegante como solo cor de terra fértil para refletir, recriar o estar, e o Javier como articulador de narrativas, sejam relativas aos seus companheiros de pintura, seja a este daltônico. Ou seja, uma cor preta que a tudo absorve e projeta.

Apresento-vos então a exposição onde a comunicação, a sensibilidade, e a possibilidade estão articuladas pela arte, livres por assim lutar diariamente.

Aqui as cores, pintores teem suas narrativas e tons, e nós espectadores podemos criar e realizar novas narrativas plásticas.

15/10/2012

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Estimado amigo fidalgo, seguimos estrada cheia de curvas, estreita, esburacada, cheia de carros indo e vindo, por vezes só hávia como seguir pelo acostamento, este em melhor estado que a estrada.

Uma mosca entra no carro, Ela reclamando batia ao vento gritando palavrôes contra a mosca e seu inerte amigo ao lado. Então eu jogo os computadores para o lado do carona, passo para trás dela, e rápido levanto seus longos cabelos incendiários, chego mais perto, encaixo as pernas por trás do banco, colo a boca no seu pescoço longo com cheiro de pitanga, xero e beijo até sua orelha direita e murmuro: gostosa. Minha mão esquerda já tateava entre suas cochas morenas do sol e a calcinha molhada de gozo. Ela já me segurava pelo pau, o carro andava em zig-zag. Então acordei, gritei, cuidado, saltei e tomei o volante com uma das mão, e aí cai em mim, por pouco não caímos por uma ribanceira.  A mosca tina sumido e nós…, bem, estimado Dom Alonso, já pensou eu morrer por uma mosca?

Veloz, o carro segue, alcançamos então plantações de milho às duas margens da estrada. Estas plantações verdes se perdiam no horizonte junto com o firmamento azul do céu.

Até aqui o homem que viajava na frente do carro ao lado desta… mulher, emitia múrmurios e ruídos como que considerando, negando, confirmando as negativas e afirmativas dela. Quano falava algo tinha o desprezo e desapego típicos de quem realmente tem mais interesses e medos que realmente demonstra com palavras. Havia um certo medo e interesse em seus olhos e na sua total confiança fabricada na razão e no controle do corpo. Sua companheira, em toda frase o deixava em alerta, ele temia alguma incofidência? Seriam assassinos, ladrões, pirados. E agora, eu? Confesso que senti medo e até pensei em pedir para me deixarem ir, mas…

De repente uma freada, todos são  lançados à frente. Paramos. Violeta ri e brada que  as meias palavras esquivas de Falzino lhe machucam demasiadamente, que eu não sou nada engraçado e que nem meu nome sabem ainda. Abre a porta e corre milharal a dentro,  seu corpo salta e seus longos cabelos ruivos se misturam com o verde milharal, para onde ela corre de saia levantada até o decote farto, e começa a colher as espigas mais vistosas que se misturam com seus seios jovens. Seu amigo, acompanhante, amante ou outra coisa que o valha, balança a cabeça, balbucia letras, palavras, frases incompreensíveis misturadas a ruídos.

Então aproveito e apeio do carro pra mergulhar no…  –  Meu nome é Falzino e o nome dela é Violeta, vive tendo estes rompantes, deixa se levar por sentimentos e desejos sem pensar em consequências. Saio a caminhar também no meio do milhará.

Miro a Chapada à nossa frente. Violeta se agacha e ouço o som de uma mulher a mijar. Não sei porque isto me seduz e me excita. Esta mulher, no mato a mijar, no seu jeito natural , longe de ser vulgar e tão pouca indiscreta, me atrai ainda mais. Falzino permanece no carro murmurando ruídos breves e com gestos longos. Não havia percebido, ao longe, além dos vales de águas vermelhas se viam as fronteiras dos Reinos da Tarde e do Por do Sol demarcadas pelo Morro Branco, bem além das cachoeiras da Purificação. Os dois reinos convivem um ao lado do outro em longos momentos de paz com curtos e trágicos momentos de guerra.

Distante do carro uma música atávica me invade, é um flamenco árabe que outrora cobriu com paixão e dança toda Europa ibérica. Para Flauzino apenas uma múasica qualquer encontrada no rádio. Ao longe, Violeta, de pé e desnuda, gesticulava como que regesse a música e a mim mesmo. Longe do tesão inicial e da paixão pela mulher natural, agora eu penso que fui encantado. Sua pele alva, seus cabelos incendiários ao balanço do vento  me levaram diretamene aos seus braços.

E ela já cavalgava sobre mim segurando em meus cabelos cacheados e me mordendo a barba sem dizer palavra enquanto o ar se tornava rarefeito e nossos corpos ondulavam estremecidos em sincronia e suor. Esquecidos os reinos da Tarde e do Por do Sol. Gemidos eram a música, e ela então subia e descia num trote lento e sinuoso sobre mim que tentava estocar ela como que saltando da terra ao ar.
Tremuras, alívio, silêncio. Sem a terra vermelha para nos acolher teríamos caído para sempre no universo de gozo. Uma buzina de automóvel ecoa no silêncio. Rimos.

Voltamos ao carro sem dizer palavra.

Falzino: onde estão as espigas para o jantar.

Violeta: risos. pode ir buscar.

Flauzino: teremos que ficar ainda mais tempo neste meio de nada próximo de lugar algum?

Violeta: como você se chama mesmo?

Eu: Estevão.

Violeta: agora podemos seguir viagem, entrem no carro. Já escurece, precisamos ir.  Onde está indo Estevão?

Eu: para os reinos da Tarde e do Por do Sol. Sinto que um dia os atravessarei, mas hoje não mais. O coração pede para seguir direto ao reino dos Sonhos. Lá pretendo ficar uns tempos.

Falzino: este reino está em ruinas, atacado por uma aliança dos outros seis grandes reinos: Noite, Madrugada, Alvorecer, Manhã, Tarde, Por do Sol. Seu povo já não ama mais a vida e lhes faltam motivos para viver. Viajantes desviam léguas para não vê-lo sendo distruído.

Violeta: até que enfim Falzino diz algo útil e sem subterfúgios.

Falzino: só quero salvar minha pele, pois sei que você teria ousadia de o levar até as ruindas do reino dos Sonhos. Assim evito o infausto.

Eu: então não tenho mais onde ir, penso que vou mesmo para o reino dos Sonhos e ajudo a seu povo na luta contra a tirania dos outros seis reinos.

Violeta: NÃO FAÇA ISSO Estevão. Nos acompanhe, pois num território livre, distante do alcance de todos os exércitos conquistadores se reunem povos descontentes que buscam liberdade para todos os reinos e acabar com a guerra contra o reino dos Sonhos.

Falzino: lá vem você mulher, com esta loucura de território do Amor, isto é mito, falácia de malucos estradeiros. Não existe tal resistência, não existe tal território livre, não existe…

Eu: Agradecido, parto agora só, vou em busca do território livre, somar forças por uma vida, um mundo livre. Vou a esta terra desconhecida que chamam Amor, se não existir, será boa a viagem. Adeus.

Amigo, então os dois ficaram a discutir e eu segui na minha caminhada carregando meu alforje com os comes e bebes do Vendeiro da Birosca. E como deve ter entendido, te escrevo de algum lugar da trilha do lugar desconhecido que muitos falam e que organiza a resistência. Até um dia amigo Alonso, estimado Dom Quixote de L Mancha.

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Saída da Sala de Obras Gerais da FBN.

Um espaço belo de arquitetura clássica imperial por dentro e por fora. Com a maior parte de suas características arquitetônicas mantidas.

Ao longo do tempo esta linda casa agregou apenas alguns elementos modernos que seriam para facilitar a vida de leitores, estudiosos, pesquisadores e etc.

Tão belo o prédio, tão rico e sofisticado que nos embriaga de informações e prazer só de vê-lo. A este prédio foi da dada a função de guardar livros, periódicos, cartografias, iconografias, e mesmo acervos inteiros de gentes importantes aos interesses que mantém o Brasil na condição em que se encontra até hoje.

Outras de suas funções são oferecer, disponibilizar, promover o acervo e o acesso a esta fonte de informações, conhecimentos, diversões, pesquisas.

Sendo belo edifício, de ótima localização, acesso inigualável, com horário razoável para uso e visitação, chegou o prédio vivo no século XXI, onde inúmeros recursos técnicos e tecnológicos foram somados à sua estrutura procurando qualifica-lo para sua nobre tarefa. Especialmente, por estar numa que é uma das cidades onde se somam pelo menos três universidades federais e duas estaduais na sua zona metropolitana, também uma cidade onde se aloja boa parte dos recursos federais em cultura no Brasil, sobretudo comparado a regiões que nada ou quase nada recebem. Vejam o caso dos equipamentos públicos, como a Biblioteca Nacional, onde agora estou. E hoje é imperativo afirmar, sem pena de errar, que este lugar se tornou, já há algum tempo, o túmulo da leitura e da pesquisa no Brasil.

Insólitos e dedicados pesquisadores como eu, são, talvez, os únicos a frequentarem este mausoléu da leitura. Mesmo assim, é uma visita sadomasoquista, uma visita onde o sofrimento começa na decisão de ir ao lugar. Pois, no cemitério da leitura nacional tudo é precário, sofrível, lento, grosseiro, inútil e velho, ou mesmo, mórbido.

Estive nesta cripta em 2006 e 2007 para pesquisar e escrever minha dissertação de mestrado. Nada mudou, sendo mais preciso, conseguiram torná-la pior. Estou falando a partir do ano 2012, no inverno do mês de julho. Lá se vão então, pelo menos cinco anos desde a ultima vez em que pus meus pés nesta necrópole de livros.

Em poucas palavras, vejam só o que me ocorreu hoje, dia 09 de julho de 2012:

Almocei com amiga que está partindo de volta a Nova Zelândia, sua terra natal. Desci de Stª Teresa, contente de reencontrá-la e apreensivo de seguir logo após para a FBN (Fundação Biblioteca Nacional). Inclusive ninguém a conhece desta maneira, a chamam de Biblioteca Nacional, em geral os cariocas, filhos ou adotivos, sobretudo, quem não a usa recentemente. Pois, de fato, Nacional, está longe de ser, seja em catálogo de obras, ou seja, em formas de acesso.

Então, após um café em um dos meus prediletos Cafés no Rio, onde às vezes gasto meus parcos caraminguás quando estou pela Rua da Carioca, me dirigi com a amiga para deixa-la no nas escadarias do metrô da Carioca, onde nos despedimos e de onde parti muito vivo, acompanhando o féretro das minhas preocupações certas em direção a última morada infortuna da literatura nacional.

Ao chegar, me deparei com mais um brinquedinho novo comprado e instalado, em funcionamento pela última morada dos livros no Brasil: uma branquinha e pequena webcam. Uma funcionária terceirizada, que nos trata como se vendesse tomates na feira, pede deseducadamente para me fotografar, ao passo que eu, no susto, aceitei. Pois, antes mesmo disso, já havia me pedido documento de identificação com foto, e solicitado preenchimento de uma ficha para entrar com computador, cabo de força e um simples caderno de notas. Ficha esta, que eu deveria ir ao setor, no caso obras gerais, para pedir a autorização de entrada e uso. Bem, preenchida a ficha, fotografia registrada. Há! Tudo isso enquanto outra funcionária simpática e calada digitava meus dados pessoais num banco de dados qualquer. Que desconfio ser inútil, pois, já venho aqui há pelo menos seis anos, deveria haver um cadastro básico. Mas tudo bem! Tudo bem?

Vencido o primeiro obstáculo, me deparo com uma segurança e uma porta de meio metro, de vidro, com catraca eletrônica, quebrada, onde passo sem maiores atropelos, uffaa.

Sigo direto para o setor das obras gerais tentando ser rápido para ganhar mais tempo na leitura. Chego e sou rapidamente atendido pela bibliotecária responsável no momento.  Ela me comunica que não poderei trazer o cabo para energia, pois toda a rede elétrica da Fundação Biblioteca Nacional está instável, olho para os lados e vejo o equipamento de ar condicionado desligado, no lado oposto, encontro os velhos computadores de anos atrás funcionando no mesmo lugar. Aceito então entrar e trabalhar com a energia que tem na bateria do notebook que carrego.

Retorno então para o local onde guardei minha mochila e pertences, o n. 60. Opa, humm, quase esqueci, tive de passar por outro novo obstáculo, uma segunda segurança que me pede para mostrar a autorização que vim para assinar e carimbar. Mesmo estando sem um dos equipamentos autorizados em mãos. Admito então realizar mais este trabalho hercúleo para conquistar o direito de penetrar neste latifúndio mórbido de livros na América do Sul.

Saio, pego o notebook, o caderno de notas, um lápis, pois é proibido entrar com caneta, embora todos entrem e façam uso indiscriminado. Retornando ao setor obras gerais. Epa, preciso voltar a passar novamente por uma segurança, que já não é mais a mesma. Vejam vocês, dei a sorte de estar no momento da troca de equipes. Esta me exige a autorização assinada e carimbada, pede para abrir o caderno, pede para abrir o notebook. Após conferir superficialmente tudo isso, sigo a viagem, no corredor em direção às obras gerais, dois homens, magros, um miniatura e um outro salsichão guardam dois elevadores que dão acesso a outros setores da lúgubre bibliotequinha que possui apenas espasmos de vida.

Chego ao setor obras gerais com o sentimento que tudo acabou e agora cumprirei definitivamente aquilo para o que vim neste sítio de livros penados: pesquisar. Ledo engano, me dirijo aos computadores. Aqueles que já eram ultrapassados em 2006, e que hoje estão mais lentos que os cágados que meus pais criavam no quintal de casa, lá no meu amado e apaixonante sertão baiano, onde só tinha biblioteca na escola e também era muito parecida com esta que agora estou.

Mas não me deixo abater. Troco de computador, este cinco segundos mais rápido, consigo encontrar o livro em questão. Saio feliz e passo a ficha do pedido para o atendente terceirizado, por sinal bem gentil, mas incompetente.

Ora, pois, pensando que tudo terminara… Não! O gentil atendente incompetente me comunica que o livro chegará entre 20 e 30 minutos. Mais uma facada no tempo e um corte profundo no ímpeto do insólito pesquisador.

Escolho a mesa, e vou aguardar, abro o notebook e fico a aguardar. Um desejo que não é súbito, brota, é o desejo de escrever algo sobre esta viagem insólita ao mundo da pesquisa e da leitura na imperial, republicana, suntuosa e mórbida Fundação Biblioteca Nacional. Daí vou arrumando pastas de arquivos do computador. Lá vem o gentil incompetente terceirizado atendente me entregar o livro, agradeço desconfiado. Explico o desconfiado? O livro é de capa dura, uma obra nitidamente seme-rara, envolvida por uma tira de cartolina e amarrada, acreditem, amarrada por um barbante de algodão. É, meus amigos!

Abri o livro, que tinha como título: Manual de Enfermagem, publicado em meados do século XX. Eu tinha solicitado o título literatura e história no séc. XX, publicado agora no nosso jovem século XXI.

Sou paciente, levanto, vou ao balcão onde os coveiros habitualmente convivem com seus livros cadáveres insepultos e comunico que o livro não era aquele. O gentil incompetente atendente terceirizado pede que eu me recolha a mesa 12, pois ele irá consultar a bibliotecária responsável. Minutos depois, rapidamente, ele chega a minha mesa e informa que este livro está num anexo da Fundação Biblioteca Nacional e que devo fazer o pedido hoje, e amanhã, certamente após as 12 horas, estará a obra disponível para consulta. Até lá, diz o jovem constrangido: “se o senhor desejar pode pesquisar e solicitar outra obra, desculpe, obrigado.”

Neste exato momento, levanto a cabeça para enxergar o que acontece ao meu redor, e o salão de obras gerais, um dos maiores e mais confortáveis para dormir, como muitos o usam desde 2006, e sem surpresa continuam a usar hoje, está com seus três bibliotecários navegando no facebook. Sinal dos tempos amigo? Quais tempos?

Cheguei a Fundação Biblioteca Nacional, cripta mór da péssima administração pública na cultura nacional, digo quando se fala de leitura e literatura, de pesquisa científica e deleite de um leitor, entre as 16:00h e 16:30h.

Agora, a finalidade para a qual me dirigi a esta mausoléu de livros não existe mais como se realizar, e se tornou este texto que compartilho com um desavisado que passar por este nosso Algarobytes, e que se preocupe com a memória, a história, a literatura, o jornalismo, a cartografia, a iconografia contidas neste que é hoje o verdadeiro túmulo da leitura e da pesquisa, do gozo com o saber no Rio de Janeiro, no Brasil e na América do Sul.

Isto não é um conselho, é um aviso: não vá ao cemitério da leitura Fundação Biblioteca Nacional. Ou você pode desencarnar de tanto tentar ler, escrever, pesquisar, buscar o prazer com a leitura de um simples poema,  e não conseguir. Os sinos de uma igreja próxima tocaram, são exatamente 19 horas.

Você conhece a Fundação Biblioteca Nacional? Qual foi, é, sua experiência com a Fundação Biblioteca Nacional? Você já usou estes equipamentos de arquivo e promoção da leitura no Brasil? Como foi? Como poderia ser um lugar onde se guardam livros raros e livros comuns?

Tupã de Goiás

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I –

Estimado Dom Quixote, sei que há muito não bebemos um trago e proseamos sobre a vida, e suas descoisas, agora te escrevo,  contente de o ter encontrado na semana que se passou, quando rimos de nossas andanças e peripécias, dores e gozos. Diga a Sancho, amigo leal, que ao que vi, me pareceu, pelo largo da figura, que a vida não lhe tem sido madrasta.

Amigo, quanto aos amores, de agora e de sempre, destes todos, a lasciva Vida e a ousada Liberdade são as amantes mais fiéis, pois a ingrata e linda Morte, que rodeia todos, e nega encontros quentes para mim, espreita ciumenta noite e dia! E me pergunto: quando virá me ter só para si, no seu leito a trepar e me amar finalmente?

O que dizer então das aventuras amigo? Estive em alguns reinos: os reinos da Noite, da Madrugada, da Aurora, da Manhã, da Tarde, do Sonho e do Por de Sol, são as sete maravilhas desta nossa existência ignorante e vagabunda. Dentre todos, gostei por demais do reino da Noite. Neste conheci uma grande paixão entre esquinas sujas cercadas de bares, embriagada por delírios de amor intangível, o que a tornara menos misteriosa, e não menos apaixonante. O melhor? Inteligente, bela, e de uma alegria contagiante.

Mas a existência não é apenas cheiro da Dama da Noite. Partindo ela para o reino da Manhã, onde o povo tem uma face carrancuda, e reclama da promiscuidade amorosa da Vida, anda  em carroças lotadas amontoados como girimuns, caminham léguas para trabalhar, comem o que lhes dão em migalhas sobejadas de usurpadores, e exploradores de uma das amantes lindas que tenho o prazer de deitar e fazer ousadia as vezes, a Criatividade.

Há! então a Dama da Noite se foi em busca de algo, ou mais precisamente, alguém, que lhe seja o provedor, ao chegar encontrou o sedutor Futuro, que a prometeu o inimaginável.

Só! Também parti. Então para o reino da Madrugada cheguei, neste experimentei uma dor deliciosa de viver e estar entre as encruzilhadas com gentes tantas diferentes, cheias tantas de amor, que transbordavam carência exalando éter, expressando vazios, calando paixões.  Com as energias dispersas parti ao leste.

II –

Nas fronteiras do reino da Aurora, crianças, mulheres e velhos, todos magros, imundos e em trapos escalavam uma montanha de lixo, onde se alimentavam de restos  de comida em meio a papel higiênico, garrafas plásticas, bonecas descabeladas, disputando com ratazanas cada pão duro, carne apodrecida, pedaço de fruta.

Fome apaziguada, iniciam a procurar objetos como velhas panelas, talheres, roupas rotas, calçados. Até ouro e prata se encontram em dias de sorte. A chuva forte despenca na montanha de lixo, parte dela desmorona e alguns são soterrados até a morte. Ainda assim, amigo Dom Alonso, seguiram o trabalho desdenhando do fato.

Conseguido quinquilharias, velhos e mulheres iam em busca de suas garrafas de bebidas preferidas, as mais baratas e com maior teor alcólico, assim adormeceriam entorpecidos para no dia seguinte voltarem ao seu ofício. As crianças, estas ficavam a brincar com os objetos encontrados e deixados pelos adultos. Como animais, sentavam ao pé da montanha de lixo e brincavam, não raro, brigavam por um objeto ou outro e cansados se recolhiam a casebres feitos com tudo encontrado no lixo e na natureza. No sono sonhavam com afeto, sonhavam ser crianças.

Dentro do reino da Aurora crianças limpas em fardas escolares, mulheres jovens e com perfumes vulgares, homens andando apressadamente não viam seus semelhantes viver do lixo produzido por eles. Se viam ou o cheiro os incomodavam, fingiam nada acontecer.

Tendo atravessado a o pequeno reino da Aurora rumei ao interior do continente até alcançar o reino da Manhã, que estes tempos passa por grande atribulação por conta da SECA que consome a vida de viveres animais e vegetais, que faz evaporar cada gota d’água.

Apiei da égua malhada, companheira de andanças, e no momento exausta…

(Continua)

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Tenho observado governos por todos os continentes e noto que está sendo estabelecida uma bipolaridade quanto aos partidos que governam, ou não, um país, um estado ou município.

Agora com a greve dos PMs na Bahia, greve na França, greve na Grécia, primaveras árabes,  Ocupa Rio, Acampada Sol na Espanha,  é nítido o tratamento que governos de direita ou de esquerda dão aos seus patrícios, qual seja, simplesmente, ouvidos de mercador. Onde uma reivindicação entra por um ouvido e sai, imediatamente, por outro.

Muitos de nós já sabemos como se estrutura e opera o capitalismo. Alguns já fizeram sua escolha pelo capitalismo, consciente ou não, outros simplesmente vivem, e poucos estão se lixando para onde caminha a sociedade, a humanidade, outros vivem, ainda, o devaneio de um capitalismo de face humanizada ou de bem estar social, neste caso, tanto faz esquerda ou direita, ambas são e podem ser boas gestoras da organização social-política-econômica capitalista de incremento da classe média.

Acompanhando o caso Pinheirinho e Greve da PM baiana, no primeiro caso o governo federal silenciou e no segundo articulou envio de tropas federais das forças armadas e força nacional, dizem que para pacificar o movimento. Já sabemos que o movimento de greve da polícia baiana tem como uma de suas motivações a aarticulação nacional em busca da conquista de um piso salarial nacional para bombeiros e policiais. O que isto os faz pensar em relação ao governo central brasileiro?

No Brasil somos herdeiros e descendentes de tradições autoritárias militaristas. Outros países também o são, contudo fomos colônia muito tempo, e hoje somos uma das maiores economias relativas do planeta. O que não credencia o povo e o país, a nação a ser primeiro mundo.

Aqui temos na pauta das gavetas do congresso nacional iniciativas diversas com projetos de desmilitarização das polícias, que hoje são legalmente forças auxiliares do exército, e que por isto, não podem fazer greve, e suas reivindicações são como que cães ladrando para o trio elétrico do chiclete com Banana. E porque não desmilitarizar as polícias? Já não temos forças armadas e vivemos numa democracia onde ocupamos a sexta economia mundial e a classe média cresce cada vez mais?

A esquerda no poder acusa a direita na oposição de tentar desestabilizar o seu governo em decorrência de disputas eleitorais vindouras para pleitos municipais. E não é que pode ser até verdade. Mas não absolutamente! Neste jogo entre os dois pólos de poder que governam vários países, é fato social e histórico que o trabalhador é colocado em segundo plano.

Os farsantes, de ambos os lados do poder concentram discurso no conservadorismo, ao acusar o uso da violência e de armas contra a população e de coagir os mandatários do Estado. “Me façam uma garapa”, a polícia é composta por trabalhadores sim, e com regime jurídico e posição distintas de outros profissionais. E nada, nem ninguém pode e deve aliviar para quem saca de seus instrumentos de trabalho contra o cidadão. Mas, devemos fazer a pergunta: sacar das armas, invadir universidade, bater em professores para acabar com greve docente é legal quando é com ordem do Governador, do seu Secretário de Educação e Segurança?

Diante de mentiras e farsas tantas, a pergunta que não quer calar e não será silenciada, é, qual o princípio que mantém o Estado e o sistema político eleitoral que retroalimenta o estado nacional de direito democrático? Justiça, Igualdade, Liberdade?

 

Contudo, nós sabemos bem o que está acontecendo, é que o Estado está sem sua força bélica e corre o risco de perder milhões sem o carnaval, que a iniciativa privada usa recursos públicos em benefício privado e está em vias de perder bilhões, se, simplesmente adiarem o a folia momesca baiana. Isto implica, dirão os idiotas de esquerda e/ou direita no plantão: vai afetar a economia já precária e precarizada de Salvador e da Bahia, pois, a renda do carnaval incrementa a esta economia em somas desconhecidas até então. As mentiras e as ilusões usadas para manter tudo como está, já não adiantam mais. Sabemos que não querem largar o osso e que o povo não passa da “pipoca” que serve de coadjuvante e mão de obra barata para trabalho de pagem de turistas, classes média e média alta no maior carnaval de rua do mundo.

Basta de jogos políticos/partidários. As negociações foram reabertas. Agora é hora de nós todos, o que se chama sociedade, dizermos fim a polícia militar exigindo e propondo a criação de uma nova forma de política pública de segurança voltada para proteção do cidadão e em defesa da justiça social.

Definitivamente, como ser a sexta economia planetária e não distribuir a renda e criar trabalho, investir em educação, saúde, segurança, cultura, ciência? Pois bem, as arrecadações de impostos bateram recordes, a balança comercial é favorável, a geração de riqueza se diversifica cada vez mais e cresce quase no mesmo montante. Por outro lado, os trabalhadores amargam e sofrem com os salários aviltantes, com a cobrança de taxas e serviços exorbitantes.

Não precisa ser profeta, mas, vai chegar o momento que direita e esquerda não serão mais necessários para governar. Um estado que não serve a seu povo, é contra este povo. E a este povo é justo libertar-se.

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